terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Universidade e formação humana


           A Universidade é reconhecida como o espaço por excelência da produção e da transmissão do saber. Na medida em que reconhecemos que o destino humano se encontra em estreita conexão com o saber, a Universidade se apresenta também como o espaço privilegiado da formação humana. É pelo saber e graça a ele unicamente que o homem pode chegar a uma verdadeira formação. Mas o que é e como se dá genuinamente isso que chamamos de saber? Como é que chegamos ao saber? Todos nós costumamos prezar o saber, todos nós costumamos supor que é o saber e só o saber que liberta, mas nunca ou quase nunca nos inquietamos perguntando como se dá isso. A filosofia reside toda ela nesse empenho obstinado pelo como. Nunca deveríamos nos dar por satisfeitos com alguma coisa sem investigar como ela é. Platão faz Sócrates dizer, a certa altura do Fédon, que uma vida sem exame não merece ser vivida. Examinar, perguntar, investigar constitui assim, para Platão, o que, em última instância, confere sentido a uma existência humana. Mas como chegamos a estar em condições de, por nós mesmos, examinar, perguntar e investigar? Bastaria a nossa simples vontade para isso?
            Temos de reconhecer que mesmo quando estamos na condição de estudantes dedicados ou de pesquisadores experimentados, pouco ou muito pouco do todo de nosso esforço é consagrado ao exame e à investigação. Em geral, o que chamamos de estudar e pesquisar quase se limita a um empenho de assimilação do que já se acha instituído como saber. Em vez de examinarmos nós mesmos alguma questão, o que mais acontece é nos prepararmos para algum exame. Em vez de ousarmos perguntar e explorar determinado tema ou assunto, ligamos o computador e buscamos, na internet, explicações que nos retirem, justamente, a inquietação de querer saber. Por que procedemos desse modo? Será que não procedemos assim exatamente por não sabermos como se dá o saber? Neste caso, estaríamos todos numa estranha situação: prezamos o saber sem ter a mínima ideia de como ele se dá. Acreditamos que o saber e somente o saber liberta, mas nos sentimos cada vez mais oprimidos pela exigência crescente de tudo saber, de estarmos sempre bem informados a respeito de tudo. Ninguém hoje em dia aceita parecer ignorante. Todos querem, antes de procurarem saber por si mesmos, aparentar que sabem. Mas como chegaríamos a saber sem saber por nós mesmos? Como poderíamos perguntar, examinar e investigar sem assumirmos nossa própria ignorância? Sendo assim, não residiria o próprio saber nessa coragem de assumir que não sabemos? Não seria desse modo e somente desse modo que todo saber acontece e pode acontecer? Por que então temos tanta vergonha e procuramos fugir do incômodo de não saber? O que haveria de tão indigesto em nossa própria ignorância, a ponto de preferirmos a ela um saber aparente qualquer?
            Quando assumimos que ignoramos assumimos que nós mesmos não sabemos. Não seria isso algo simples e natural? Por que não é assim? Por que procuramos esconder dos outros e de nós mesmos que não sabemos? Em geral, de fato, buscamos respostas e não perguntas. Em virtude de estarmos aqui e ali sem uma resposta disponível e à mão, isto ainda não significa que sejamos capazes de perguntar. Acreditamos mesmo que a resposta existe em alguma parte e que, lamentavelmente, por uma ironia do destino, estamos privados dela. É dessa forma que, ao sofrermos com a nossa ignorância, o que de verdade nos faz sofrer é a nossa própria expectativa infundada de um saber absoluto, ou seja, de um saber que consistisse todo ele de respostas prontas, e que nunca tivesse experimentado, em tempo algum, a indigência de uma não saber. Ora, tal saber não existe e nunca existiu. Tampouco a pergunta consiste na simples falta de uma resposta. A pergunta ela mesma, para poder perguntar alguma coisa, deve ser capaz de tornar acessível e iluminar, por si só, o perguntado. É desse modo que ela pode dar início a uma verdadeira investigação, propiciando um saber genuíno. Na apatia de sempre querer ter respostas ainda não nos mostramos capazes de perguntar e assim também de saber por nós mesmos. Só que então também não dispomos de liberdade para ser o que somos. Talvez a verdadeira e difícil tarefa da Universidade seja formar indivíduos que sejam tais, pessoas que sejam capazes de se alegrar com a descoberta do próprio não saber e que assim se tornem capazes de saber. Afinal, não seria pelo exercício mesmo de querer saber que se pode produzir e transmitir saber?

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