A Universidade é reconhecida como o espaço por
excelência da produção e da transmissão do saber. Na medida em que reconhecemos
que o destino humano se encontra em estreita conexão com o saber, a
Universidade se apresenta também como o espaço privilegiado da formação humana.
É pelo saber e graça a ele unicamente que o homem pode chegar a uma verdadeira
formação. Mas o que é e como se dá genuinamente isso que chamamos de saber?
Como é que chegamos ao saber? Todos nós costumamos prezar o saber, todos nós
costumamos supor que é o saber e só o saber que liberta, mas nunca ou quase
nunca nos inquietamos perguntando como se dá isso. A filosofia reside toda ela
nesse empenho obstinado pelo como.
Nunca deveríamos nos dar por satisfeitos com alguma coisa sem investigar como
ela é. Platão faz Sócrates dizer, a certa altura do Fédon, que uma vida sem exame não merece ser vivida. Examinar,
perguntar, investigar constitui assim, para Platão, o que, em última instância,
confere sentido a uma existência humana. Mas como chegamos a estar em condições
de, por nós mesmos, examinar, perguntar e investigar? Bastaria a nossa simples
vontade para isso?
Temos
de reconhecer que mesmo quando estamos na condição de estudantes dedicados ou
de pesquisadores experimentados, pouco ou muito pouco do todo de nosso esforço
é consagrado ao exame e à investigação. Em geral, o que chamamos de estudar e
pesquisar quase se limita a um empenho de assimilação do que já se acha
instituído como saber. Em vez de examinarmos nós mesmos alguma questão, o que
mais acontece é nos prepararmos para algum exame. Em vez de ousarmos perguntar
e explorar determinado tema ou assunto, ligamos o computador e buscamos, na
internet, explicações que nos retirem, justamente, a inquietação de querer saber.
Por que procedemos desse modo? Será que não procedemos assim exatamente por não
sabermos como se dá o saber? Neste caso, estaríamos todos numa estranha
situação: prezamos o saber sem ter a mínima ideia de como ele se dá.
Acreditamos que o saber e somente o saber liberta, mas nos sentimos cada vez
mais oprimidos pela exigência crescente de tudo saber, de estarmos sempre bem
informados a respeito de tudo. Ninguém hoje em dia aceita parecer ignorante.
Todos querem, antes de procurarem saber por si mesmos, aparentar que sabem. Mas
como chegaríamos a saber sem saber por nós mesmos? Como poderíamos perguntar,
examinar e investigar sem assumirmos nossa própria ignorância? Sendo assim, não
residiria o próprio saber nessa coragem de assumir que não sabemos? Não seria
desse modo e somente desse modo que todo saber acontece e pode acontecer? Por
que então temos tanta vergonha e procuramos fugir do incômodo de não saber? O
que haveria de tão indigesto em nossa própria ignorância, a ponto de
preferirmos a ela um saber aparente qualquer?
Quando
assumimos que ignoramos assumimos que nós mesmos não sabemos. Não seria isso
algo simples e natural? Por que não é assim? Por que procuramos esconder dos
outros e de nós mesmos que não sabemos? Em geral, de fato, buscamos respostas e
não perguntas. Em virtude de estarmos aqui e ali sem uma resposta disponível e
à mão, isto ainda não significa que sejamos capazes de perguntar. Acreditamos mesmo
que a resposta existe em alguma parte e que, lamentavelmente, por uma ironia do
destino, estamos privados dela. É dessa forma que, ao sofrermos com a nossa
ignorância, o que de verdade nos faz sofrer é a nossa própria expectativa
infundada de um saber absoluto, ou seja, de um saber que consistisse todo ele
de respostas prontas, e que nunca tivesse experimentado, em tempo algum, a
indigência de uma não saber. Ora, tal saber não existe e nunca existiu.
Tampouco a pergunta consiste na simples falta de uma resposta. A pergunta ela
mesma, para poder perguntar alguma coisa, deve ser capaz de tornar acessível e
iluminar, por si só, o perguntado. É desse modo que ela pode dar início a uma
verdadeira investigação, propiciando um saber genuíno. Na apatia de sempre
querer ter respostas ainda não nos mostramos capazes de perguntar e assim
também de saber por nós mesmos. Só que então também não dispomos de liberdade
para ser o que somos. Talvez a verdadeira e difícil tarefa da Universidade seja
formar indivíduos que sejam tais, pessoas que sejam capazes de se alegrar com a
descoberta do próprio não saber e que assim se tornem capazes de saber. Afinal,
não seria pelo exercício mesmo de querer saber que se pode produzir e
transmitir saber?
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