O simples título "filosofia contemporânea" já nos dá o que pensar. Tratar-se-ia da filosofia que, de fato, está ajustada ao tempo presente. Todas as demais filosofias seriam apenas apropriadas à Época passada correspondente, de sorte que todas já estariam hoje definitivamente ultrapassadas. Isso só seria verdadeiro se cada Época histórica e cada pensamento fossem uma realidade fechada sobre si mesma sem relação com outras Épocas e pensamentos. Todavia, não é por ter sido pensado um dia, em consonância com demandas e problemas efetivamente presentes, que um pensamento pode ser considerado "datado". O que faz um pensamento ser "datado" é sempre o fato de ele não ter sido suficientemente radical, e radicalidade não é nada que pertença a uma Época específica em detrimento de outras. Eis porque um pensamento pode ser "contemporâneo" e já ser inteiramente "datado". Por outro lado, como poderíamos pensar radicalmente sem que nada nos levasse a tanto? Um pensamento é radical apenas por revelar-se capaz de descer às raízes daquilo que hoje é. Nesse sentido, toda filosofia ou é contemporânea ou simplesmente não é filosofia nenhuma, supondo que haja uma identidade entre filosofia e pensamento radical ou não "datado". Mas para poder descer às raízes, um pensamento deve primeiro corresponder ao apelo que lhe chega de sua própria situação, que é sempre a situação de um ser essencialmente finito, isto é, histórico. Sem se deixar requisitar por esse apelo, que lhe chega de sua própria situação histórica, nenhum pensamento poderia cumprir seu destino de radicalidade. De onde nos chega hoje esse apelo? Sem dúvida, esse apelo nos chega da ciência entendida de modo amplo. Correspondendo ao apelo de pensamento que nos chega da própria ciência, nos colocamos, pela primeira vez, numa posição de liberdade em relação a ela, e isso significa que já não precisamos nem louvá-la e nem tampouco condená-la. Para compreender um pouco o que essa posição de liberdade diante da ciência pode nos proporcionar, cito as palavras ricas de radicalidade pensante de Emmanuel Carneiro Leão: "Na era atômica, em que a técnica e a ciência desenvolvem um vigor planetário, a missão da filosofia não é corrigir ou substituir-se à ciência. É apenas ser a catársis de uma autoconsciência. Na reflexão sobre as condições de possibilidade da própria ciência ela recorda que todo conceito humano é sempre uma configuração histórica da Verdade do Ser, em cujo dinamismo se articulam as manifestações existenciais das várias épocas da humanidade. Na terra dos homens não há previdência, nem providência escatológica. O homem nunca é o autofalante do absoluto. De antemão não sabe aonde vai chegar, nem mesmo se vai chegar. É que não nos podemos despir de nossa finitude, como de um manto vergonhoso, para revestirmo-nos da clareza meridiana de um saber sem sombras. O homem não é um Deus mascarado que nas vicissitudes históricas da existência fosse desmascarando sua divindade. A filosofia permanecerá sempre a reflexão finita do mais finito dos entes, por ser o único cônscio de sua finitude. Assim, os filósofos serão sempre os aventureiros que se afastam da terra firme dos entes e se lançam nas peripécias da história em busca da verdade do homem. Os argonautas do Ser." (Cf. Aprendendo a Pensar I. Rio de Janeiro: Daimon Editora, 2008, p. 32)
segunda-feira, 24 de dezembro de 2012
terça-feira, 4 de dezembro de 2012
Universidade e formação humana
A Universidade é reconhecida como o espaço por
excelência da produção e da transmissão do saber. Na medida em que reconhecemos
que o destino humano se encontra em estreita conexão com o saber, a
Universidade se apresenta também como o espaço privilegiado da formação humana.
É pelo saber e graça a ele unicamente que o homem pode chegar a uma verdadeira
formação. Mas o que é e como se dá genuinamente isso que chamamos de saber?
Como é que chegamos ao saber? Todos nós costumamos prezar o saber, todos nós
costumamos supor que é o saber e só o saber que liberta, mas nunca ou quase
nunca nos inquietamos perguntando como se dá isso. A filosofia reside toda ela
nesse empenho obstinado pelo como.
Nunca deveríamos nos dar por satisfeitos com alguma coisa sem investigar como
ela é. Platão faz Sócrates dizer, a certa altura do Fédon, que uma vida sem exame não merece ser vivida. Examinar,
perguntar, investigar constitui assim, para Platão, o que, em última instância,
confere sentido a uma existência humana. Mas como chegamos a estar em condições
de, por nós mesmos, examinar, perguntar e investigar? Bastaria a nossa simples
vontade para isso?
Temos
de reconhecer que mesmo quando estamos na condição de estudantes dedicados ou
de pesquisadores experimentados, pouco ou muito pouco do todo de nosso esforço
é consagrado ao exame e à investigação. Em geral, o que chamamos de estudar e
pesquisar quase se limita a um empenho de assimilação do que já se acha
instituído como saber. Em vez de examinarmos nós mesmos alguma questão, o que
mais acontece é nos prepararmos para algum exame. Em vez de ousarmos perguntar
e explorar determinado tema ou assunto, ligamos o computador e buscamos, na
internet, explicações que nos retirem, justamente, a inquietação de querer saber.
Por que procedemos desse modo? Será que não procedemos assim exatamente por não
sabermos como se dá o saber? Neste caso, estaríamos todos numa estranha
situação: prezamos o saber sem ter a mínima ideia de como ele se dá.
Acreditamos que o saber e somente o saber liberta, mas nos sentimos cada vez
mais oprimidos pela exigência crescente de tudo saber, de estarmos sempre bem
informados a respeito de tudo. Ninguém hoje em dia aceita parecer ignorante.
Todos querem, antes de procurarem saber por si mesmos, aparentar que sabem. Mas
como chegaríamos a saber sem saber por nós mesmos? Como poderíamos perguntar,
examinar e investigar sem assumirmos nossa própria ignorância? Sendo assim, não
residiria o próprio saber nessa coragem de assumir que não sabemos? Não seria
desse modo e somente desse modo que todo saber acontece e pode acontecer? Por
que então temos tanta vergonha e procuramos fugir do incômodo de não saber? O
que haveria de tão indigesto em nossa própria ignorância, a ponto de
preferirmos a ela um saber aparente qualquer?
Quando
assumimos que ignoramos assumimos que nós mesmos não sabemos. Não seria isso
algo simples e natural? Por que não é assim? Por que procuramos esconder dos
outros e de nós mesmos que não sabemos? Em geral, de fato, buscamos respostas e
não perguntas. Em virtude de estarmos aqui e ali sem uma resposta disponível e
à mão, isto ainda não significa que sejamos capazes de perguntar. Acreditamos mesmo
que a resposta existe em alguma parte e que, lamentavelmente, por uma ironia do
destino, estamos privados dela. É dessa forma que, ao sofrermos com a nossa
ignorância, o que de verdade nos faz sofrer é a nossa própria expectativa
infundada de um saber absoluto, ou seja, de um saber que consistisse todo ele
de respostas prontas, e que nunca tivesse experimentado, em tempo algum, a
indigência de uma não saber. Ora, tal saber não existe e nunca existiu.
Tampouco a pergunta consiste na simples falta de uma resposta. A pergunta ela
mesma, para poder perguntar alguma coisa, deve ser capaz de tornar acessível e
iluminar, por si só, o perguntado. É desse modo que ela pode dar início a uma
verdadeira investigação, propiciando um saber genuíno. Na apatia de sempre
querer ter respostas ainda não nos mostramos capazes de perguntar e assim
também de saber por nós mesmos. Só que então também não dispomos de liberdade
para ser o que somos. Talvez a verdadeira e difícil tarefa da Universidade seja
formar indivíduos que sejam tais, pessoas que sejam capazes de se alegrar com a
descoberta do próprio não saber e que assim se tornem capazes de saber. Afinal,
não seria pelo exercício mesmo de querer saber que se pode produzir e
transmitir saber?
Assinar:
Postagens (Atom)