quarta-feira, 20 de junho de 2012

Intolerância e violência na Universidade

Publico abaixo o manifesto dos docentes da UNIFESP em relação aos últimos acontecimentos de intransigência e violência ocorridos do compus de Guarulhos. Infelizmente não devemos supor que se trata de uma ocorrência localizada. É preciso repudiar com veemência esse tipo de comportamento incompatível com a vida universitária.

Guarulhos, 18 de junho de 2012. Manifesto de professores da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas UNIFESP (Campus Guarulhos) 

Desde o início do primeiro semestre letivo de 2012 os alunos da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (EFLCH), da Unifesp Campus Guarulhos, estão paralisados. O movimento dos estudantes, iniciado em março, tinha como objetivo reivindicar resoluções de problemas de infraestrutura do campus. Vários professores, a própria Direção Acadêmica, assim como a Reitoria, já manifestaram publicamente consciência dos problemas, e afirmam que os mesmos são de diversos níveis e demandam tempos diferentes de resolução. Há problemas que podem ser resolvidos em curto prazo; outros - como a construção de um prédio definitivo - fatalmente levarão mais tempo. Desta maneira, o movimento dos estudantes teve início num clima de diálogo entre todas as instâncias. Do início até o atual momento, presenciamos a radicalização extrema deste processo, com um pequeno grupo de alunos dominando, por meio de agressões verbais e físicas, as assembleias de discentes, além de utilizarem métodos de coação com os próprios colegas. As agressões passaram a atingir também os professores que, inicialmente, tentavam dar aulas; logo os ataques aos docentes proliferaram, ocorrendo de forma gratuita. Primeiro, houve a ocupação da Diretoria Acadêmica por parte de um grupo de alunos, mesmo sem representar a opinião da maioria. Na sequência, eles ocuparam quase todas as dependências do campus, inviabilizando o acesso dos docentes às suas salas e escaninhos, onde a correspondência institucional é depositada. Várias vezes em que os docentes, de diferentes cursos, tentaram entrar nas dependências do campus, foram insultados verbalmente e ameaçados fisicamente pelo grupo de alunos que se manifesta de forma agressiva. Este processo culminou nos episódios lamentáveis de 14 de junho de 2012. Depois da ocupação ter sido desmobilizada pacificamente na semana anterior, por um processo de reintegração de posse, o campus, que estava sendo reformado, foi atacado por esse grupo de alunos. Eles cometeram atos de vandalismo após realizarem uma assembleia. Atacaram o campus quebrando os vidros das portas, jogando pedras, pichando paredes, destruindo móveis. A polícia militar teve que ser acionada para proteger a integridade física de docentes e funcionários, bem como o patrimônio público. Os docentes e funcionários que lá estavam ficaram impedidos de sair e alguns chegaram a entrar debaixo das mesas para se protegerem. A imprensa pouco ou nada tem noticiado a respeito da situação vivida pelos professores e pessoal técnico-administrativo. Por meio deste manifesto, nós, docentes da EFLCH abaixo-assinados, queremos externar publicamente e da forma mais ampla possível o nosso protesto: - contra os atos de intimidação e vandalismo de um pequeno número de pessoas que pretende ser considerado aluno enquanto agride verbal e fisicamente seus docentes; - pela institucionalidade e governo vigentes no campus; - pelas condições de segurança no uso do nosso espaço de trabalho; - por fim, por nossa dignidade profissional. Subscrevemo-nos: 1. Alexandre de Oliveira Ferreira - Departamento de Filosofia 2. Alexandre Pianelli Godoy - Departamento de História 3. Ana Lúcia Lana Nemi - Departamento de História 4. Ana Maria Hoffmann – Departamento de História da Arte 5. André Medina Carone – Departamento de Filosofia 6. Andréa Slemian - Departamento de História 7. Antonio Sergio Carvalho Rosa – Departamento de Ciências Sociais 8. Antonio Simplício de Almeida Neto - Departamento de História 9. Arlenice Almeida – Departamento de Filosofia 10. Carlos Augusto Machado - Departamento de História 11. Cecília Cintra Cavaleiro de Macedo – Departamento de Filosofia 12. Claudemir Roque Tossato - Departamento de Filosofia 13. Claudia Plens - Departamento de História 14. Daniel Revah – Departamento de Pedagogia 15. Eduardo Kickhofel – Departamento de Filosofia 16. Eduino José de Macedo Orione – Departamento de Letras 17. Fabiana Schleumer – Departamento de História 18. Fabiano Fernandes – Departamento de História 19. Fábio Franzini – Departamento de História 20. Francine F. Weiss Ricieri – Departamento de Letras 21. Gabriela Nunes Ferreira – Departamento de Ciências Sociais 22. Henry Burnett – Departamento de Filosofia 23. Ivo da Silva Júnior – Departamento de Filosofia 24. Jaime Rodrigues – Departamento de História 25. Jamil Ibrahim Iskandar – Departamento de Filosofia 26. Julio Moracen – Departamento de História 27. Juliana Peixoto – Departamento de Filosofia 28. Karen Macknow Lisboa - Departamento de História 29. Ligia Fonseca Ferreira – Departamento de Letras 30. Lilian Santiago- Departamento de Filosofia 31. Lucilia Siqueira – Departamento de História 32. Márcia Eckert Miranda - Departamento de História 33. Maria Fernanda Lombardi Fernandes – Departamento de Ciências Sociais 34. Mariana Villaça – Departamento de História 35. Márcia Romero – Departamento de Pedagogia 36. Maria Luiza Ferreira de Oliveira - Departamento de História 37. Maria Rita de Almeida Toledo – Departamento de História 38. Odair da Cruz Paiva - Departamento de História 39. Olgária Chain Feres Matos – Departamento de Filosofia 40. Patrícia Teixeira dos Santos - Departamento de História 41. Paulo Fernando Tadeu Ferreira - Departamento de Filosofia 42. Pedro Santos – Departamento de Filosofia 43. Plínio Junqueira Smith - Departamento de Filosofia 44. Rafael Ruiz Gonzalez - Departamento de História 45. Rita Paiva – Departamento de Filosofia 46. Rossana Alves Baptista Pinheiro - Departamento de História 47. Samira Adel Osman - Departamento de História 48. Stella Maris Scatena Franco - Departamento de História 49. Tatiana Savoia Landini – Departamento de Ciências Sociais 50. Wilma Peres Costa - Departamento de História

segunda-feira, 4 de junho de 2012

O que significa fazer história da filosofia?

O que chamamos de história da filosofia corresponde, em sentido comum e usual, a uma espécie de disciplina específica da filosofia entendida enquanto grande área do saber. É bastante frequente a tentativa de demarcar um terreno entre aqueles que se dedicam diretamente aos problemas filosóficos ditados pela realidade e aqueles outros que apenas buscam inventariar as doutrinas e sistemas filosóficos do passado, de modo a explicar, da maneira a mais clara e objetiva possível, o seu sentido e real significado. A filosofia estaria dividida entre os filósofos autênticos e os historiadores da filosofia. Esta divisão, no entanto, é apenas aparente e está longe de corresponder à dinâmica mais essencial da atividade filosófica, sendo, ao contrário, a fonte das mais extremadas deturpações do seu sentido. É assim que vem se constituindo, por exemplo, um tipo de interesse acadêmico por exposições "objetivas" e isentas de pretensões filosóficas próprias, as quais seriam as únicas verdadeiramente confiáveis. Quando alguém se propõe a apresentar algum tema relacionado à filosofia de Aristóteles, queremos estar seguros de que se trata de um Aristóteles "puro", não contaminado e "deturpado" por nada tenha vindo depois dele. Este parece ser o meio mais adequado para passearmos, de maneira descompromissada, pelo passado filosófico, traçando diferenças entre os mais diversos sistemas filosóficos, sem termos de levar em conta a questão mais urgente da verdade de tais sistemas. Podemos então ter as nossas preferências, sem ter que questionar as preferências dos outros. Este seria o nosso atual Éden filosófico, o ambiente mias adequado para espíritos "democráticos" e "sofisticados", o qual deve a todo custo evitar uma única coisa: que se pretenda fazer falar uma filosofia desde a sua própria verdade. Isto deve soar-nos, necessariamente, por demais grosseiro e pretensioso. Equivaleria a ignorar que a filosofia de Aristóteles, por exemplo, é apenas a filosofia de Aristóteles, a qual somente foi verdadeira, na melhor das hipóteses, para ele e para o seu contexto específico, determinado pelo progresso da história das ideias. Semelhante veredito, porém, acaba desconsiderando um aspecto decisivo da própria história da filosofia, a saber: a situação tantas vezes verificada de uma filosofia do passado irrompendo no presente, através de apropriações criadoras e revolucionárias, como portadora de uma espécie de verdade intemporal. Muitas vezes é a própria filosofia que acontece em sua propriedade quando uma determinada filosofia faz pleno sentido para nós. Este fenômeno foi compreendido pela hermenêutica filosófica de Gadamer com o termo "fusão de horizontes". De fato, semelhantes redescobertas rompem exatamente com a distância segura que julgávamos estabelecida entre nós e o passado, apresentando a filosofia como uma presença inquietante e inesperada em nosso mundo, subvertendo as nossas expectativas imediatas de sentido, e abrindo todo um mundo de novas possibilidades. Não seria esta, porém, a presença mais autêntica e perturbadora da própria filosofia? Por que deveríamos nos proteger contra ela?