quinta-feira, 24 de maio de 2012

Razões e desrazões da greve

Não há dúvida de que o atual movimento grevista dos docentes das universidades públicas federais possui sérias razões de ser, pois do contrário não veríamos a adesão ampla que estamos vendo ao movimento a nível nacional. A expansão das vagas e dos cursos, bem como da estrutura física das instituições federais de ensino, promovida pelo governo Lula, trouxe consigo problemas estruturais que ameaçam a qualidade da formação oferecida tradicionalmente por essas instituições. Por outro lado, na comparação das carreiras no funcionalismo público federal, deixam-se perceber com facilidade graves distorções salariais, as quais muitas vezes agridem o bom senso e promovem privilégios injustificáveis. Por vezes um servidor com nível médio de formação pode receber um salário inicial bem maior do que um docente com doutorado e significativa produção acadêmica e científica. Há também a preocupação com a crise mundial e com a tendência de todos os governos de "fazerem caixa" retirando direitos dos trabalhadores do serviço público, sempre vistos como os vilões do aumento dos gastos públicos. Tudo isso procede e justifica a adesão à greve nacional dos docentes das universidades públicas. Por outro lado, preocupa-me bastante a condução da greve pelos nosso sindicato nacional: o ANDES. Quando compareci às primeiras assembleias percebi que o discurso dos dirigentes sindicais buscava amparar-se no descumprimento do acordo com o governo realizado no ano passado. Este era o principal fator de mobilização e de indignação da categoria, por mais que tal acordo viesse sendo sistematicamente desqualificado pelos mesmos dirigentes. Exatamente por esse motivo compareci à assembleia do dia 10/05 na qual foi aprovado por unanimidade o indicativo de greve para o dia 17/05. Por mais que se falasse em reestruturação da carreira como bandeira da greve, nenhum dirigente sindical se dispôs a apresentar a proposta do ANDES e ressaltar suas diferenças em relação à proposta do governo. Parecia que todos já deveria conhecer do cor tal proposta. Depois veio a aprovação fatídica da greve na assembleia do dia 15/05, à qual já me referi na postagem anterior. Pois bem, uma vez aprovada a greve tive agora a oportunidade de tomar conhecimento, através de e-mails de colegas, do plano de reestruturação da carreira formulado pelo ANDES, e que vem a ser a principal bandeira da greve para o sindicato. Fico sabendo então que estamos em greve para que desapareçam as classes tradicionais da carreira docente: auxiliar, assistente, adjunto, associado e titular, todas organizadas em quatro níveis de progressão funcional de acordo com a titulação do docente, e para que, em seu lugar, existam apenas 13 níveis de progressão "automática", sem consideração da titulação. Também cairia a exigência de que se possua pós-graduação para o ingresso na carreira de professor de nível superior, pois somente seria exigida a graduação. Além disso, o sindicato propõe que desapareça do nivelamento a categoria de auxiliar (o nível 1 começaria pelo que hoje corresponde à faixa de assistente). Ora, para quem sabe ler nas entrelinhas, isso equivale a um título de mestre concedido pelo sindicato àqueles que hoje ainda não o possuem. O ANDES, caso sua proposta seja aprovada, conseguirá dar título de "mestre" a todos os professores que ingressarem na carreira, mesmo que não o possuam. Além disso, abrem-se ótimas perspectivas de trabalho na carreira docente para os estudantes engajados no DCE e que queiram abreviar seu percurso acadêmico. Estes poderão formar-se na escola da militância política estudantil, por mais que desprezem as aulas dos demais professores burgueses, e depois entrarem na carreira docente, graças aos seus inúmeros contatos sindicais com o professores engajados. Afinal, para que estudar? Basta conscientizar. Estudar não seria mesmo coisa de burguês alienado?  Ou como vi num cartaz pendurado em uma janela do falecido hotel da UFRRJ: "Professores, chega de palestra, queremos mudança de atitude!" 

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Assembléia e greve dos docentes na UFRRJ

Estive ontem na assembléia dos docentes convocada pela ADUR, se é que podemos chamá-la assim, e o que testemunhei foi algo extremamente preocupante. Eram cerca de oitenta professores e um grupo de cerca de cento e cinquenta estudantes, dirigidos por uma claque do DCE (leia-se PSTU). A cada manifestação de alguns poucos professores no sentido de um encaminhamento diferente daquele dado pela direção do sindicato ouviam-se vaias e manifestações desrespeitosas por parte da claque do DCE, enquanto os discursos pela greve já e contra o "governo patronal da presidente Dilma e do PT" eram efusivamente aplaudidos e ovacionados. Em suma: uma vergonha! Não houve condições mínimas para um debate sobre a oportunidade ou não da deflagração do movimento grevista, algo necessário em virtude de o acordo feito com o sindicato nacional (ANDES) no ano passado ter sido cumprido pelo governo. Ao invés disso, os discursos inflamados dos dirigentes sindicais buscaram ridicularizar um acordo que, goste-se ou não, foi assinado pela direção do sindicato, destacando perdas salarias relativas à insalubridade, o que poderia ser revisto mediante negociação da medida provisória. Por fim, o último professor a discursar na assembléia, que compunha a mesa, chegou a defender que se apenas dez professores estivessem presentes e deliberassem pela greve todos deveriam acatá-la. Um verdadeiro absurdo! Não considero legítima essa assembléia e creio que o sindicato vem ocultando o andamento das negociações com o governo sobre o plano de carreira da categoria. Por esses motivos não vou aderir a essa greve que julgo completamente despropositada, ideológica e ilegítima. Greve não é instrumento de protesto. Não se faz greve, ainda mais quando se trata de serviço público financiado por um povo sofrido como o nosso e quando se tem a estabilidade garantida por lei, "pela melhoria da Universidade pública". Greve é um caminho extremado de luta por melhoria salarial, quando foram esgotados todos os canais de negociação ou quando os acordos feitos nesse sentido não foram cumpridos. Se este era o caso já não o é mais em virtude da medida provisória assinada pela presidente Dilma. É uma vergonha que o sindicato conte com o desejo de férias de alguns professores para o sucesso desse movimento grevista que já nasceu fadado ao fracasso.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Palestra do professor Gilvan Fogel na UFRRJ

No último dia 07/05 teve lugar, no auditório Paulo Freire (ICHS), a palestra do professor Gilvan Fogel(UFRJ) intitulada: "Niilismo e superação da metafísica". A palestra foi uma iniciativa do grupo de pesquisa NOÛS- Estudos de hermenêutica filosófica e de história da filosofia e contou com a participação de alunos e professores do curso de filosofia da UFRRJ. O tema da palestra remetia diretamente à filosofia de Nietzsche e à problemática da desvalorização dos valores superiores da cultura Ocidental, precisamente o que foi chamado por ele de niilismo. De certa maneira, esses valores (unidade, finalidade, verdade) representariam uma espécie de revolta contra a vida naquilo que ela possuiria de mais próprio: o ser sempre e necessariamente esforço, aparência e incompletude. Tais valores, levados à sua exarcebação pela ciência e pela técnica modernas, acarretariam, fatalmente, um enfraquecimento da vida enquanto dinâmica criadora.  É nesse sentido que o professor Gilvan chegou a afirmar que "a interiorização é a doença do homem". Por interiorização está se entendendo aqui a dinâmica de afastamento e de ensurdecimento do homem em relação ao imperativo de auto-superação ditado pela própria vida, que é em si mesma "vontade" de auto-exposição, aquilo que os gregos chamaram de PSYCHÉ. A vida não está em nosso poder. Não somos nós os seus autores e, por isso, não podemos dispor dela ao nosso bel prazer. Pelo contrário, é a vida mesma, enquanto essa dinâmica de auto-exposição, que dispõe de nós e nos permite vir a ser o que somos. É junto com e a partir desse imperativo de ser que se pode falar de realidade. Não há e não acontece realidade alguma para aquele que já não esteja vivendo desde essa dimensão. Para a planta e para o animal, por exemplo, não acontece realidade. Com isso, não se pretende dizer que somente o homem é real, mas antes, pelo contrário, que o acontecer do real ele mesmo é inseparável do acontecer de homem. Por isso, segundo o professor Gilvan, "o homem é a hora e o lugar de toda a realidade possível". É por ter esquecido esse acontecimento fundamental que a metafísica acaba por desenvolver-se historicamente como niilismo. Quer me parecer que foi neste ponto da palestra que surgiram, ao mesmo tempo, a maior dificuldade e o maior desafio de compreensão colocados pelo professor. Afinal, como o homem poderia ser a hora e o lugar de todo real possível sem ser ele mesmo o autor da própria realidade, algo como um substituto do Deus cristão? Para o professor Gilvan, no entanto, não se trata em absoluto de algum tipo de antropomorfismo ou antropocentrismo, que aliás, segundo ele, seriam característicos da metafísica da subjetividade da Época Moderna. Nietzsche, ao contrário, estaria se confrontando exatamente com essa tradição. Que as coisas se passem desse modo fica evidente quando se lembra que, para Nietzsche, é a arte o contra movimento em relação ao niilismo e à metafísica. Na arte mostra-se exemplarmente que o sentido  não é nunca alguma coisa que se deixe localizar em algum lugar aquém ou além do próprio fazer. No fazer do artista genuíno aparece que o sentido está todo ele no fazer e apenas no fazer. Ora, diríamos nós, mas o fazer não é o produto da minha vontade e decisão? Não sou eu quem decide, autonomamente, como bem salientou a filosofia moderna, agir ou não agir, sendo inteiramente responsável por isso? De forma alguma, nos diz Gilvan Fogel, ao menos no nível radical da ação criadora que é, por princípio, o fazer da arte. Nesse nível ou dimensão, não é o homem, enquanto indivíduo, quem decide fazer ou não fazer, mas a própria coisa a ser feita impõe a sua presença a partir de si mesma. O homem, no caso em questão, o artista, é que seria muito mais um resultado tardio, embora constitutivo, do próprio fazer criador, daí não poder colocar-se a si mesmo que "autor" da própria ação. Neste caso, em lugar da autonomia da vontade, que se realiza historicamente no empenho de controle e asseguramento técnicos de todo o real, teríamos uma disponibilidade confiante para o que se manifesta a partir de si mesmo e que se envia como tal em uma ação necessária. Não que isso signifique a transformação de toda ação em fazer artístico, no sentido de um esteticismo. A ação é que a cada vez permite o aparecimento singular e imprevisível do homem e do próprio real. Não seria isso justamente a superação da metafísica enquanto esforço de disponibilização do real e do próprio homem? Apostamos que sim.