sábado, 17 de março de 2012

niilismo

O niilismo está à nossa porta, de onde nos chega esse mais estranho de todos os hóspedes? Assim se pergunta Nietzsche em um fragmento de A vontade de poder. Precisamos considerar o que essas palavras proféticas significam. Certamente o niilismo não é a invenção de um filósofo que, como todos sabem, acabará por enlouquecer. O niilismo está aí, atravessando de ponta a ponta o nosso presente. Como sabemos disso? Sabemos por experiência, ou seja, por uma espécie de sentimento difuso que mal se deixa determinar. De fato, em toda a parte, padecemos de uma espécie de falta de convicção. Queremos ainda muitas coisas, dedicamo-nos com afinco a outras tantas, mas já não dispomos de garantias suficientes que legitimem, de modo absoluto, o que fazemos. Nunca como hoje sentimos o desamparo a que estamos entregues em nossos propósitos e em nossas ações. Não podemos mais nos apoiar em nada; queiramos ou não, somos compelidos a nos colocar a nós mesmos como fundamento do que fazemos ou deixamos de fazer. O que isso significa? Significa que o "mundo verdadeiro" desapareceu de nosso horizonte vital. Podemos reagir a essa ausência de fundamento de duas formas: podemos querer recuperar, por nossa própria conta, um fundamento qualquer, que fosse capaz de suportar a nossa existência, e, neste caso, teríamos o que Nietzsche chama de niilismo reativo ou passivo; ou então podemos reconhecer, pouco a pouco e não sem dificuldade, nessa ausência de fundamento um genuíno acontecimento libertador, e, então, teríamos o niilismo ativo ou consumado. No primeiro caso, busca-se ser afirmativo, confrontando algum valor (Deus, socialismo, culturas marginais) à presumida ausência de "valores autênticos", sem perceber que a ideia mesma de autenticidade tornou-se questionável; no outro caso, porém, já não se pode mais ser afirmativo de maneira incondicional. Supondo que a primeira atitude não esteja à altura do acontecimento do niilismo, o que nos restaria então? Deveríamos abandonar-nos a uma espécie de cinismo capaz de legitimar as práticas mais baixas e desprezíveis? Esta seria, de fato, a situação se fosse verdade o que disse certa vez Dostoiévski, através de um de seus personagens: "Se Deus não existe, tudo é permitido." Pode ser, entretanto, que as coisas se passem de outro modo. Afinal, se não estamos em condições de afirmar incondicionalmente coisa alguma, podemos, não obstante, levantar e propor muitas possibilidades dignas de fé e esperança. Tais possibilidades serão sempre ainda apenas interpretações, mas quem disse que não poderíamos jamais nos contentar com o caráter interpretativo de todo e qualquer real? Acaso não será esta a nossa grande chance? Por quanto tempo mais insistiremos em fugir de nossa liberdade radical, aquela que diz: "não há fatos, há apenas interpretações"?

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