segunda-feira, 4 de junho de 2012

O que significa fazer história da filosofia?

O que chamamos de história da filosofia corresponde, em sentido comum e usual, a uma espécie de disciplina específica da filosofia entendida enquanto grande área do saber. É bastante frequente a tentativa de demarcar um terreno entre aqueles que se dedicam diretamente aos problemas filosóficos ditados pela realidade e aqueles outros que apenas buscam inventariar as doutrinas e sistemas filosóficos do passado, de modo a explicar, da maneira a mais clara e objetiva possível, o seu sentido e real significado. A filosofia estaria dividida entre os filósofos autênticos e os historiadores da filosofia. Esta divisão, no entanto, é apenas aparente e está longe de corresponder à dinâmica mais essencial da atividade filosófica, sendo, ao contrário, a fonte das mais extremadas deturpações do seu sentido. É assim que vem se constituindo, por exemplo, um tipo de interesse acadêmico por exposições "objetivas" e isentas de pretensões filosóficas próprias, as quais seriam as únicas verdadeiramente confiáveis. Quando alguém se propõe a apresentar algum tema relacionado à filosofia de Aristóteles, queremos estar seguros de que se trata de um Aristóteles "puro", não contaminado e "deturpado" por nada tenha vindo depois dele. Este parece ser o meio mais adequado para passearmos, de maneira descompromissada, pelo passado filosófico, traçando diferenças entre os mais diversos sistemas filosóficos, sem termos de levar em conta a questão mais urgente da verdade de tais sistemas. Podemos então ter as nossas preferências, sem ter que questionar as preferências dos outros. Este seria o nosso atual Éden filosófico, o ambiente mias adequado para espíritos "democráticos" e "sofisticados", o qual deve a todo custo evitar uma única coisa: que se pretenda fazer falar uma filosofia desde a sua própria verdade. Isto deve soar-nos, necessariamente, por demais grosseiro e pretensioso. Equivaleria a ignorar que a filosofia de Aristóteles, por exemplo, é apenas a filosofia de Aristóteles, a qual somente foi verdadeira, na melhor das hipóteses, para ele e para o seu contexto específico, determinado pelo progresso da história das ideias. Semelhante veredito, porém, acaba desconsiderando um aspecto decisivo da própria história da filosofia, a saber: a situação tantas vezes verificada de uma filosofia do passado irrompendo no presente, através de apropriações criadoras e revolucionárias, como portadora de uma espécie de verdade intemporal. Muitas vezes é a própria filosofia que acontece em sua propriedade quando uma determinada filosofia faz pleno sentido para nós. Este fenômeno foi compreendido pela hermenêutica filosófica de Gadamer com o termo "fusão de horizontes". De fato, semelhantes redescobertas rompem exatamente com a distância segura que julgávamos estabelecida entre nós e o passado, apresentando a filosofia como uma presença inquietante e inesperada em nosso mundo, subvertendo as nossas expectativas imediatas de sentido, e abrindo todo um mundo de novas possibilidades. Não seria esta, porém, a presença mais autêntica e perturbadora da própria filosofia? Por que deveríamos nos proteger contra ela?

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