sábado, 7 de abril de 2012

existência

Na leitura do fragmento 12 de A vontade de poder, nos deparamos com a seguinte afirmação feita por Nietzsche: "Der Charakter des Daseins ist nicht "wahr", ist falsch...". A frase soa como se se tratasse de uma verdade incontestável: "O caráter da existência não é "verdadeiro", é falso...". Ora, a existência que aqui está em questão não é aquela que, desde um tradição bimilenar, costumamos contrapor à essência, e que reconhecemos como um predicado universal de todas as coisas. Não se trata de duvidar da existência das coisas ou dos fatos. Nietzsche não é um cético nesse sentido. O que ele está dizendo é muito mais o contrário disso, ou seja, que a falsidade inerente à existência é alguma coisa que depõe a seu favor, sendo um traço extremamente positivo seu. Como entender isso? Nietzsche vem de atribuir justamente a causa do niilismo, como desvalorização de todos os valores, à crença nas categorias da razão. De certo modo, aquilo que era cultuado como ser e verdade revelou-se, por obra do niilismo, como fictício, como um produto deliberado do homem, destinado a domesticar a realidade do devir e viabilizar, por assim dizer, configurações de domínio para uma humanidade. Ora, se o "verdadeiro" é um produto do homem, aquilo que ele já não pode controlar e estabelecer por si mesmo como ilusão de domínio deve então chamar-se falso. Dizer que o caráter da existência não é "verdadeiro", mas falso significa reconhecer a existência ela mesma, a nossa existência, como o dado primordial incontornável do qual devemos partir, exatamente por esta não ser nenhum produto nosso, como eram as categorias da razão. A falsidade da existência tem a ver com o seu poder de imposição, para além de todas as nossas fantasias de controle e asseguramento, aquilo mesmo que passamos a chamar de "verdade" e que contamos como se fosse algo já dado e disponível. Por isso, mais adiante, no fragmento 15, Nietzsche pode dizer: "Die extremste Form des Nihilismus wäre: dass jeder Glaube, jedes Für-wahr-halten notwndig falsch ist: weil es eine wahre Welt gar nicht gibt." (A mais extrema forma do niilismo seria a de todo ter-por-verdadeiro ser necessariamente falso: pois não há, pura e simplesmente, um mundo verdadeiro.) Falso aqui, tal como mais acima, significa inocente, não calculado, espontâneo, imediato. Nenhuma crença pode ser o reflexo de um mundo verdadeiro. Nenhuma crença pode pretender basear-se em um mundo verdadeiro. Por isso mesmo, todo ter-por-verdadeiro deve ser reconhecido em sua imediatidade, em sua espontaneidade, sem possibilidade de ser invalidado por uma crença "de tipo superior". Mas isso significa que é a crença, e não o "saber", que forma a base e o caráter da nossa existência. Negar a crença em nome do saber seria, assim, negar a própria existência.

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